Não é sobre pessoa, é sobre o poder que o fogo tem de unir pessoas.
Artigo revisado pelo Comitê
O inverno chegou! Para algumas localidades do Brasil a chegada do tempo frio é mais perceptível do que para outras. Nos lugares mais frios a companhia do fogo é indispensável.
Por Angelita Scardua Nos lugares mais frios a companhia do fogo é indispensável, seja para aquecer ou para preparar alimentos quentes e nutritivos. Uma das formas mais tradicionais de se aproveitar o calor do fogo no inverno é em torno de uma lareira… Ou de um fogão à lenha! E o que muitos não sabem é que o fogão à lenha é um herdeiro da lareira! Na Europa medieval, os primeiros censos realizados pelo governo não contavam pessoas ou casas: eles contavam “lareiras”. Similarmente, os primeiros censos realizados no Brasil contavam o número de fogões que havia em uma comunidade, e não o de casas! A típica casa do camponês europeu, na Idade Média, era composta de um cômodo, que continha uma lareira central ou rocha plana sobre a qual um fogo era posto. Sobre as chamas, uma estrutura de ferro mantinha suspensa uma panela de ferro com um fundo arredondado. Essa lareira rústica era, então, a garantia de aquecimento da casa e recurso para a preparação dos alimentos. A arte da preparação dos alimentos avançou muito desde que os seres humanos dominaram o fogo, mas o fogão à lenha, como peça do mobiliário doméstico, só foi inventado no final do século XVIII. Sendo que o fogão a gás veio a ser fabricado e comercializado em meados do século XIX. O inventor do fogão á lenha foi o norte-americano, residente em Londres, Benjamin Thompson. A invenção do fogão, contudo, tinha pouco a ver com a melhora do processo de cozimento, seu principal objetivo era ganhar eficiência na condução de calor. Diferentemente das lareiras, que geravam calor consumindo muita lenha, o fogão aquecia os ambientes com menor quantidade de madeira. Assim, os primeiros fogões à lenha, utilizados na Europa, eram grandes, feitos de alvenaria e ficavam embaixo de uma chaminé, ou conectados a uma. No Brasil, a criação do fogão à lenha sofreu forte influência dos índios Timbiras e Tupi-Guaranis, que chamavam de “Tucuruba”, o buraco construído diretamente no chão, protegido por algumas pedras, sobre as quais assentavam vasilhas de barro e cerâmica para o cozimento dos alimentos. Como quase tudo no Brasil, a junção de culturas uniu as experiências de fogão à lenha vindas da Europa, as criadas pelos indígenas e as demandas do modelo escravista que constitui parte significativa da História da casa brasileira. A cozinha do período colonial ocupava, em média, um terço da área da casa, possuía um enorme fogão à lenha, feito para atender um imenso grupo de pessoas: a família patriarcal, agregados, empregados, visitantes e o contingente escravo. As casas dos pobres no Brasil colonial não se distinguiam muito das dos camponeses da Europa medieval. Possuíam um ou dois cômodos, tendo como peça central um fogão à lenha, feito de pedra. Assim, o fogão à lenha substituiu progressivamente a lareira – e suas versões mais primitivas o fogo no chão e na pedra – como peça fundamental no aquecimento da casa e no preparo dos alimentos. Esse processo, durante muito tempo, fez do fogão o centro do lar. Não é à toa que a palavra “Lar” vem de lareira, pois a posse do fogo sempre foi um símbolo da conquista de um espaço individual no mundo. No Brasil colonial, a posse de um fogão sinalizava independência, uma vez que a emancipação do homem se dava pelo fogo. Um escravo não tinha o direito à posse do fogo, não tinha seu fogão! Cabia aos homens livres esse direito, o direito à individualidade e a autodeterminação, pois quem tinha o fogo era capaz de sobreviver por conta própria, fosse no verão ou no inverno. Talvez para nós seja trivial ter um fogão em casa, mas por muito tempo poder alimentar o próprio fogo significou ter um lugar no mundo, seguro e aquecido, para chamar de seu!